Cruz e Sousa atravessou a vida num silêncio escuro. Errante, trêmulo, triste e vaporoso, o negro e sublime poeta nascido na Desterro de 1861 suportou o peito dilacerado com a convicção da glória.
O Cisne Negro não se amedrontou diante de austeras portas lacradas. Maldito pela grandeza e pelo elixir ardente de versos capazes de arrebatar paixões até a atualidade, quando se completam os cem anos de morte.
De pranto e luar, sangue e sensualidade, lágrimas e terra construiu uma obra de estímulo às paixões indefiníveis. Mestre do Simbolismo no Brasil, aliou genialidade a um meticuloso rigor. Celebrado só depois de morto, o Poeta de Desterro foi um homem apaixonado, autor de versos transcendentais que ganharam o mundo.
Ele via a perfeição como celeste ciência, mas não saboreou a imortal conquista. Antes de morrer tuberculoso em Minas Gerais, em 19 de março de 1898, o poeta ensinou a alma palpitante, a fibra e sobretudo que "era preciso ter asas e ter garras".
Negro numa sociedade escravocrata, Cruz e Sousa fez militância contra a escravatura. Pesquisadora do assunto, a professora-doutora Zahidé Lupinacci Muzart, do departamento de letras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), lembra que nos anos 80 do século 19, Cruz e Souza e seu grupo discutiam as questões cadentes de seu tempo e lutavam fundando jornais, folhas, semanários alternativos...
Ele não se fechou a sete chaves numa torre de marfim, não abraçando a causa abolicionista, confome equivoca-se o crítico Fernando Góes, em estudo introdutório para uma nova edição da obra completa do poeta, em 1943. "Não foi indiferente à causa, muito pelo contrário", salienta o estudioso Iaponan Soares, dono do acervo mais completo sobre Cruz e Sousa no Brasil.
Em 1961, quando preparou outra edição de obras completas de Cruz e Sousa, Andrade Muricy, em comemoração ao aniversário de nascimeto, "fez importante coleta de dispersos, entre eles algumas páginas abolicionistas, duas das quais publicadas em livros, mas poucos conhecidas: "O Padre" e "Crianças Negras", além de outros. Quando passou pela Bahia, em 1885, o poeta participou do movimento abolicionista local, proferindo palestra. Seus escritos sobre o tema só muito mais tarde chegaram ao conhecimento da crítica.
A comprovação mais evidente da militância no movimento pela libertação dos escravos é sua participação na sociedade carnavalesca "Diabo a Quatro", que, em 1887, desencadeia campanha pelo abolicionismo, com plena cobertura da imprensa. Um dos textos mais inteligentes contra o escravagismo, escrito no jornal "A Regeneração" e intitulado "O Abolicionismo", é contuntende e articulado. "Não se liberta o escravo por pose, por chiquismo, para que pareça a gente brasileira elegante e graciosa antes as nações disciplinadas e cultas", dispara Cruz e Sousa.
O poeta ainda publicou em inúmeros outros jornais brasileiros, especialmente em Florianópolis e no Rio de Janeiro, para onde mudou-se definitivamente em 1890. Trabalhava por um magro salário.
morreu doente e decepcionado
A matriarca, que está bastante doente, perdeu as contas do número de descendentes do poeta. Na última contagem feita por ela, havia 36 netos, 20 bisnetos e outra quantidade de tataranetos. Há outros que estão fora das contas de Ercy, que mora com a filha Dina Tereza Cruz e Sousa, 58 anos e com a neta Emilena, 22 anos. As três moram numa casa modesta, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, com piso de madeira e paredes de alvenaria. Emilene e o primo Anderson são até onde se sabe os únicos descendentes do simbolista Cruz e Sousa que chegaram a ensaiar algumas letras, mas desistiram da carreira de escritores. A justificativa de Emilene para não ter persisitido na profissão foi porque não queria passar pelo mesmo sofrimento de seu tataravó-poeta.
Sílvio é filho de João da Cruz e Sousa, quarto e último filho de Cruz, que nasce postumamente em 1898. Os outros três filhos morrem antes de atingir a adolescência. O próprio João Filho morre antes dos 20 anos. Mas deixa Francelina Maria da Conceição grávida. Ela também enfrenta o signo da fatalidade de Cruz e Sousa. Morre atropelada num desfile de Carnaval. Sílvio perdeu a mãe ainda muito jovem e é criado por Alexia Mancebo, uma paulista com uma boa situação financeira que vivia no Rio e tinha o maior carinho pelo garoto. Ela criou e educou o neto de Cruz.
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